De Sabotage a Marina Sena, passando por Emicida e Criolo, conheça a carreira de Wesley Camilo como produtor musical

19 setembro POR ALGOHITS

Com carreira iniciada em meados de 2010, o músico, cantor, produtor musical e compositor Wesley Camilo tem uma trajetória de aprendizados e uma escola que celebra a música preta, passando por uma vasta pesquisa pela história do R&B, soul music, rap, hip hop entre outros gêneros musicais, a nível nacional e internacional.

Por aqui já falamos sobre sua carreira autoral, Wesley Camilo que lança em breve seu primeiro álbum de estúdio, Presente, via AlgoHits, conta agora em entrevista exclusiva um pouco mais sobre sua trajetória como produtor.

Na conversa ele contou mais sobre sua trajetória, da iniciação artística na igreja ao faça você mesmo como produtor, entrando com mais profundidade sobre suas origens, identidade, parcerias e desenvolvimento. Em seu currículo ele já pôde trabalhar ao lado de artistas como Sabotage, Emicida, Criolo, Renan Inquérito, Marina Sena e muitos outros de renome da música brasileira.

Wesley Camilo por Moysah

Wesley Camilo já produziu trabalhos ao lado de Emicida e Criolo. – Foto Por: Moysah

Entrevista com o Produtor Musical Wesley Camilo

Você começou a aprender a produzir na base do “faça você mesmo” como necessidade para lançar seu primeiro trabalho, como foi esse processo e as dificuldades que teve que enfrentar pelo caminho? A partir de que momento começaram a existir convites para colaborar com outros artistas?

Wesley Camilo: “Posso dizer que faço parte de um momento da história, né? No que diz respeito, não só um momento político, mas também do momento tecnológico. E eu vejo que isso proporcionou a possibilidade de eu conseguir materializar meu som sozinho, sacou?

Essa coisa dos computadores, a interface de áudio, né? Antigamente era muito difícil você gravar uma parada, né? Você sair com um som pronto, você precisava inevitavelmente ter acesso a um estúdio. Eu acho que isso me facilitou muito, na verdade, foi isso que possibilitou essa chegada e popularização das interfaces, dos equipamentos de gravação caseiro, ter um home estúdio…acho que foi esse o ponto principal.

Eu conheci um cara que o nome dele é Silvera. Silvera é um cara maravilhoso, é uma das minhas principais referências tanto no meu trabalho autoral, como também como produtor. Ele tem um trabalho autoral, foi um dos primeiros caras que eu vi fazendo R&B, Soul, assim tipo, contemporâneo. Porque a gente tem referências do soul nacional que é o Tim Maia, o Cassiano, o Djavan e tal…, mas o Silvera tem uma coisa mais de expertise mais de beatmaker, produtor e o som mais eletrônico, ao mesmo tempo tocando instrumentos e tal. Ele é uma grande referência.

E eu lembro que eu o conheci pessoalmente em 2010, 2011, e o amigo em comum que nos uniu ali naquela situação, a gente tinha uma espécie de escola de música que a gente também tentava trazer uns fotógrafos, umas pessoas que faziam vídeos (isso em 2010). E aí a gente tentava juntar a galera que queria fazer um som. O cara que queria fazer uma aula já dava um acesso para ele ter uma sessão de fotos com alguém, que era justamente uma coisa que não tinha tanta acessibilidade, principalmente onde a gente morava, em Osasco (SP), uma cidade aqui vizinha, aí o Silvera colou (sic) por conta desse meu amigo, o Felipe, que fazia design já na época para conversar sobre a capa de um trabalho dele e aí nesse dia ele mostrou um som pra ele, sacou? E eu fiquei muito envergonhado, fiquei muito bravo, e aí a gente meio que começou a trocar daí.

Ele tinha um projeto (que ele tem até hoje) de um selo dele, que foi por onde eu lancei o meu primeiro EP, e a princípio a intenção, o meu sonho e o combinado era de que ele produzisse esse EP. Só que como ele é um cara que tem uma agenda muito concorrida, tanto para produzir como para colaborar, gravar vocais, gravar instrumentos e tal…eu vi que se eu não metesse mão eu ia ter dificuldade, enfim, ia demorar mais.

Aí comecei a produzir e mostrar para ele que foi me dando toques. E não só ele, outros amigos também que sempre compartilhei as coisas. E foi mais ou menos isso aí. Eu sempre gostei muito de não ter a sensação de estar dependendo na vida em si, e na música não foi diferente. Então eu fui atrás de aprender a tocar um instrumento para poder cantar, porque eu queria cantar e não depender de alguém para poder tocar. E assim também aconteceu naturalmente também com a produção.

Agora as colaborações, o fato de eu ser músico acabou me conectando com outros artistas. Já trabalhei de diversas formas na música, desde agência de casamento a trilhas sonoras, e o fato de eu tocar me conectou com outras pessoas e isso que possibilitou essa onda de contribuir.

Foi um processo longo de entender as funções do processo de gravação, o diretor musical, o produtor musical, o editor, o arranjador, o instrumentista…o que esses caras fazem, né? Demorou um tempinho para entender isso aí, rolaram algumas cabeçadas pelo caminho…

Foi bem natural porque o som que eu queria fazer, eu queria buscar uma sonoridade. Eu vivi numa entressafra dos instrumentos acústicos, os instrumentos eletrônicos, as máquinas de programação de beats, e tal. Eu tava nesse momento e isso meio que influenciou como eu ia materializar as minhas coisas. Foi natural, comecei a tocar e depois em me conectar. Inicialmente eu dava aulas de música na igreja e depois eu comecei a dar aulas de música em escola de música, e tal. Ou seja, a conexão com outros trabalhos e o entendimento do que as outras pessoas querem para materializar as coisas foi uma vivência bem natural. E foi assim porque a vida foi me colocando nesses lugares. No lugar de músico instrumentista, no lugar de arranjador de estúdio…”

Ainda no campo da produção musical, quais projetos mais te desafiaram e o que mais tem preocupação na hora de gravar com um artista?

Wesley Camilo: “Tiveram alguns projetos marcantes, assim. Os primeiros projetos que eu fiz no rap foram bem desafiadores em si. Eu tenho uma referência de rap desde pequeno, por mais que eu venha de uma família evangélica onde meio que se demonizava isso como “música de ladrão, música de bandido…mas eu ouvia meio que escondido por conta do rolê da escola, de aceitação, saber as músicas decoradas, fazer parte da roda…então sempre tive muito contato com o rap e o primeiro trabalho que eu fiz no rap foi a volta do RZO.

O DJ Cia me deu um “salve” falou que tinha recebido uma indicação e quis que eu fosse no estúdio fazer algumas coisas no teclado. E aí lá eu conheci o Sandrão, o Helião e foi uma experiência muito louca. Ouvir as músicas dos caras e encontrar em estúdio, ver a dinâmica de produção, o jeito deles de produzir, a personalidade de cada um…e na sequência o Cia me indicou para um cara chamado Sem Grana que estava fazendo parte do projeto do Criolo. O Criolo tinha um disco chamado “Ainda É Tempo” e ele refez esse disco.

Quando ele o refez chamou um beatmaker diferente para cada faixa e nessas eu entrei junto com o Sem Grana. Porque não podia ter sample e eles estavam indo atrás de instrumentistas que tivessem a linguagem da parada. E aí meio que eu fui ao estúdio dele e fiz esse trabalho. Esses dois trabalhos são bem marcantes, comecei com dois caras muito grandes, isso foi em 2015. Já tinha feito alguns trabalhos, já tinha atuado como músico de estrada, gravava algumas coisas, mas acho que os desafios maiores foram esses dois em si.

Recentemente eu fiz um trabalho para o Renan Inquérito que produziu um álbum de Rap para criança. E isso foi muito louco. Tem participação de gente muito importante de expressão MPB e do rap também em si.

Foi muito louco porque o Renan meio que virou a minha chavinha de que o rap era música de ladrão. Porque eu ouvia isso em casa, eu ouvia escondido e meio que concordava assim, achava que era mesmo, porque criança não vai entender metáfora e outras figuras de linguagem (cita) “Minha intenção é ruim, esvazia o lugar”, o cara tá descrevendo uma cena de assalto, eu achava que era isso mesmo.

E a primeira música que eu ouvi do Renan foi “Inquérito Dia dos Pais”, é uma história de um filho que está falando que hoje é dia dos pais e ele só queria dar um abraço no pai dele, mas o pai dele perdeu a vida para o crime. E aí quando eu ouvi esse som no espaço rap eu falei “caramba, isso não é música de ladrão, eu preciso entender o que é isso aqui.”. Aí quando eu cresci, agora recentemente eu fiz um disco de rap para criança com o cara que me deu esse estalo, que me salvou lá atrás. É muito marcante. E tem participação do Emicida, do Rashid, da Adriana Calcanhotto, da Maria Rita, do Arnaldo Antunes, muita gente legal.

Acho que esses três trabalhos que mais me marcaram e teve o AmarElo também que ganhou Grammy, que ganhou prêmio de Melhor Disco do Ano no Multishow, esse trabalho foi bastante muito significante. E aí tá mais no campo dos marcantes porque não foi tanto desafiador, não que não tenha sido, mas o Nave já tava ali dirigindo, aí eu cheguei lá e me deixaram bem livre para fazer os arranjos, já tava mais experiente, mas é um trabalho que também me marcou muito. E as pessoas também te proporcionam um ambiente de naturalidade de familiaridade e aí, flui.”

Como foi participar da produção do projeto Neural do Sabotage, visto que a complexidade do processo e a responsabilidade de lidar com a memória de um ícone do rap em uma homenagem póstuma que envolve uma grande complexidade? Como foi teu envolvimento com a equipe e como foi fechar a track?

Wesley Camilo: “Foi muito louco! O Cia que encabeçou esse projeto, num estúdio na zona norte, perto da ponte da Casa Verde, um estúdio que os caras do RZO estavam dividindo com os caras do Cine, acho. Os caras tavam dividindo o estúdio lá e falaram “cola que vai ter uma parada aqui”. Chegando lá ele chegou e falou “é uma parada do Sabotage, os caras vão escrever com inteligência artificial”. Foi muito louca a experiência porque a mente volta lá atrás, é uma responsa, porque é a memória do cara, não tem como não pensar que “será que se ele estivesse vivo ele ia gostar de ver a parada dele materializada desta forma?” daí que eu comecei a fazer uma leitura, um exercício de que não é a mesma coisa. Precisa se desprender disso e ver que era uma homenagem póstuma. Então meio que isso me ajudou a soltar esse peso. De que uma homenagem baseada na forma que ele escrevia, que ele tinha uma semântica, um modus, os caras fizeram no algoritmo lá e eu fiquei mais na parte do arranjo que tem um piano e tal.

Então eu gravei uns pianos, umas ideias de cordas e o Cia foi ali direcionando. A princípio foi um choque, mas eu consegui lidar de uma forma melhor legal quando entendi que não é o Sabotagem que está fazendo, não precisa ter esse peso. Não dá para levar para esse campo de comparação. Isso me ajudou um pouco, mas não deixa de ser complicado.”

Você também pode lidar com desafios bastante diferentes de Emicida (que te inspira bastante no campo da produção), Criolo e Marina Sena. Como foram estes momentos? Se sentiu saindo da zona de conforto? Quais foram os aprendizados?

Wesley Camilo: “São momentos na trajetória. A princípio existe uma necessidade onde o trabalhador da música precisa se encaixar naquela necessidade. Aí depois de alguns trabalhos assim ele cria uma certa identidade, uma característica e desenvolve um networking, um relacionamento com outros artistas e ele passa a ser procurado pelo que ele faz. Eu acho que tem essa diferenciação, sacou?

O Emicida é um cara que me inspirou demais então me conectar com ele foi até natural porque eu ouvia tudo que ele fazia. Eu conheci o Emicida através de um parceiro, o Moisa, que é diretor de filme e fotografia, esse mano começou a trabalhar com o Emicida quando meu primeiro EP em 2016/2017 tava para sair…aí ele mostrou um dos sons para o Emicida, o Emicida pirou e me deu um “salve” no Whatsapp e eu achei que era zueira. Porque na época o Leandro tinha uma foto de um bife com ovo no Whatsapp, sacou? Um bife a cavalo e o cara falou assim “Salve, pá, seu mano Emicida, passando para dar um salve” até tenho que resgatar e ouvir esse áudio de novo para dar uma relembrada. E foi muito louco, fiquei feliz para caramba, e saiu o álbum e ele postou, achou legal para caramba e tal. E quando fomos trampar juntos foi muito tranquilo.

A Marina Sena, o Iuri que produz, e ela também tem uma identidade forte artística que contribui muito com esse resultado final que é o trabalho dela…é um trabalho pop que bebe muito da raiz da música preta, né? Bebe muito da África, bebe muito do reggae, flerta um pouco com essa coisa brega nos timbres e isso também torna atual, essa sofisticação do brega…e meio que o Iuri me chamou também muito pela contribuição de música preta, de uma onda mais soul/R&B.

Então foi isso, toda essa trajetória, e os trabalhos que fui me conectando, foram fluindo de forma natural, sacou? Porque eu tinha muito receio da galera não entender a minha atuação, achar que fosse um cara que queria fazer tudo. Então meio que isso foi me direcionando para eu ter uma identidade em si, que é mais ligada nisso do Soul/R&B. Isso é uma coisa que não é tão simples porque você vai precisar dizer alguns nãos em coisas que você acha que não vão te agregar nessa caminhada, pra esse posicionamento. Mas ao mesmo tempo você fica em um lugar quando as pessoas pensam naquela sonoridade elas tem um referencial para ir atrás. Às vezes uma troca de ideia, querer trocar informação, mas já pensa em alguém que tenha aquela linguagem. E eu gosto muito disso.

No Brasil, porque eu sempre faço muita referência aos Estados Unidos, que é uma música que eu ouvi muito “paga pau de gringo”, hoje em dia isso não me afeta mais, porque eu sei que a nossa música foi influenciada diretamente pela música gringa, então se eu cresci ouvindo, isso faz parte da minha história, não tem como eu deslegitimar isso, e o fato de eu fazer em português, de ter influências rítmicas da nossa raiz, torna meu R&B/Soul um tanto quanto diferente do que os caras fazem…então hoje eu estou mais tranquilo com isso.

E eu vejo que na gringa ninguém se mete a sair da sua parada. Vamos pensar, em música preta. O cara que faz beat de trap, ele só faz beat de trap. Ele não vai pegar um cantor de R&B para produzir. O cara que faz pop, ele faz pop. O cara que faz rock, ele faz rock. No Brasil, é tão precarizada a coisa de viver da música é tão precarizada que os caras começam a atirar para tudo que é lado. Então você tem muita gente talentosa produzindo tudo só que aí você não se aprofunda, não tira uma vivência, não resgata uma essência do som, você vai cumprindo um protocolo do que está sendo feito, então você está sempre reproduzindo uma parada e não tá propondo uma parada. E como eu tenho essa referência norte-americana, eu vejo que é cada um no seu quadrado. Por mais que o nicho é pequeno, o cara fica no quadrado dele, ele faz a parada dele e se encara como artista. Não só os produtores, mas os músicos também. O cara que é batera de reggae, ele é batera de reggae, aqui os bateras fazem tudo e isso dá uma defasada. E eu não estou julgando, e sim falando do recorte da realidade, meio que o cara é obrigado a abraçar todos os shows que aparecerem para ele fazer. O cara que é produtor tem é obrigado abraçar todas as produções para sobreviver. É meio doido.

Eu vejo que a minha forma de me conectar em outros trabalhos, e os desafios, eles foram sendo mais desafios pessoais porque eu tinha meio que uma direção para onde eu queria ir e isso automaticamente criou um ponto diferencial para as pessoas me procurarem para onde eu queria fazer que eu acho que é isso que o artista precisa fazer. Precisa se entender como um artista, desenvolver uma identidade e contribuir com a verdade dele. Não ficar nessa coisa de “qual é a demanda? Vou fazer e tá aí no seu e-mail”, música não funciona assim, já tentei trabalhar assim e vi que não funciona.”

Wesley Camilo por Moysah 04 (1)

Wesley Camilo já pode trabalhar ao lado de Marina Sena e EmicidaFoto Por: Moysah

Apesar de já ter trabalhado nomes gigantes e emergentes do rap, e do pop, você traz na sua sonoridade do seu trabalho solo ritmos e pesquisa bastante focada no soul e no R&B. Como vê a movimentação dos artistas do estilo e a luta por maiores espaços dentro da música nacional?

Wesley Camilo: “Eu acho que é muito de a gente vir de um resultado de uma consequência histórica. Eu falei do recorte tecnológico e acho que isso influência no momento crescente dos derivados da música preta, essa coisa do R&B, soul, neo-soul, as misturas que vão proporcionar novas sonoridades, o cara tá no Brasil e coloca uma pitadinha de pagode baiano, uma pitadinha pagode anos 90, uma pitadinha de ritmos que tem sua raiz africana, como o afoxé, e isso eu diria que é resultado de uma coisa que se desenvolveu historicamente.

Eu cresci com um estigma muito louco. Ouvia isso das minhas referências, dos caras que eu tinha como a minha referência. Que esse som não rolava no Brasil, que o Brasil não ia absorver. Hoje eu enxergo que isso foi de certa forma uma forma de sabotagem que os selos colocavam. Porque a música, da hegemonia, da cultura da massificação, de uma sonoridade, que leva para a lógica de exploração de recursos…você vê tipo assim como o sertanejo hegemônico e tudo que surge como uma tendência eles agregam e continua ali fazendo a máquina rodar e massificando e a cultura sendo massificada e tal.

Quando eu cresci eu tinha isso muito na minha cabeça de falerem “nossa, não vai rolar no Brasil porque a galera não absorve” …só que hoje eu vejo que isso era uma sabotagem mesmo porque isso possibilitava que esses artistas que tinham essa influência preta que tinham muita habilidade vocal, muita habilidade harmônica, muita habilidade rítmica servisse como mão de obra para os artistas dessa “elite” que eu não considero como elite, basicamente era isso. Ou seja, você só tinha espaço na música para trabalhar como backin vocal de alguém porque você cantava muito, sacou?

Só dar um google e ver as bandas de mainstream e ver que está vestido de preto. E vejo que hoje em dia tem esse espaço pelo lado tecnológico e todo o movimento de representatividade, empoderamento, do povo preto, né? Hoje em dia a galera tem a autoestima para falar “eu vou fazer a minha parada”. Eu tenho condições por mais que o Brasil esteja passando por uma situação difícil, hoje em dia se tem condição de fazer a sua parada. Porque antes a única opção que se tinha para quem era pretão era fazer alguma coisa que servisse bobo como corte ou ser prestador de serviço. Esse era o espaço que se tinha. E eu vejo que a crescente desses artistas, não é que hoje o Brasil aceita o R&B, não, Brasil sempre aceitou o R&B, ele está no mainstream no Brasil desde sempre. Se pegar os artistas do mainstream os recursos de vocal, de técnica, vem dessa fonte, que é uma cultura de exploração mesmo. Você vai lá pega recurso, trás, esgota esse recurso, vai lá busca mais recurso, explora, esgota, vai nesse lógica doida.

Eu vejo que hoje em dia isso tá mudando um pouco muito por essa chegada dos equipamentos, esse empoderamento, representatividade e essa democratização que é a distribuição digital que por mais que o algoritmo não deixe tão democrático, pelo menos hoje existe a possibilidade de eu ter a mesma música que o Justin Bieber e os grandes artistas internacionais. Por mais que eu não tenha o apelo de marketing que ele tem. Essa possibilidade não existia. Então eu acho que é o resultado de várias coisinhas. Tecnologia, essa sensibilidade para a distribuição, autoestima, se entendendo e se aceitando melhor, discutindo mais sobre essas questões subjetivas de estrutura desse Brasilzão de meu Deus. Então é isso, eu vejo que essa crescente acontece por conta de vários fatores que se juntam para dar esse resultado. Que você olha hoje em dia para Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, tem uma galera, o R&B sempre esteve por aí. Você tem o Tim Maia de um cara que aconteceu e a indústria fonográfica fez um serviço de desconectar dele todo mundo que fizesse música preta: “O Tim Maia é um fenômeno. Ele tá distante de todo mundo, não tem uma linha do tempo que trace uma continuidade para essa sonoridade. Não existe, o que vai tocar na rádio, é isso, isso e aquilo outro. Se você quiser trabalhar vai ser como funcionário. E é isso, ponto.”

Hoje eu vejo que essa gama de artistas que tá vindo, tá religando lá na essência. Por exemplo, eu falo bastante do Tim Maia, e esses artistas também porque é uma referência muito grande que a gente tem. Esses caras como Cassiano, Hyldon, Djavan, esses caras são a música preta. Não é uma música que aconteceu, o cara é um fenômeno, não, existe uma continuidade, é um gênero que é consumido, é uma parada que tem sustentabilidade, não é uma loucura, não é uma coisa que não vira no Brasil. Eu vejo que é a resposta que a história tá dando.”

Dentro do R&B, quais artistas acredita que já mereciam ter maior visibilidade e quais gostaria de poder trabalhar junto…seja num feat ou participando da produção?

Wesley Camilo: “Eu não consigo pensar dessa forma. Achar que fulano tinha que ter mais visibilidade. O que eu penso é que existe um movimento automático do sistema para isolar qualquer possibilidade nova, isolar e criar como um caso de exceção e com o tempo esvaziar isso. O que eu vejo que para mim é um desejo, mais do que visibilidade para uma pessoa duas ou três é a criação, fortalecimento e fomento de uma cena que foi o boom que proporcionou até isso.

O boom que aconteceu com o rap, se você ver nos últimos 10 anos começou a acontecer a cultura das cyphers. Você assistia uma cypher com 9 rappers por conta de 1 rapper que você conhecia, e você conhecia por conta um rapper que você conhecia e você passava a conhecer outros 8. Isso foi criando uma cena que possibilitou um boom do rap. Hoje o rap é um dos estilos mais populares do mundo, junto com as suas vertentes, tem o trap, mas para mim tudo parte do mesmo lugar, da mesma essência. Então, esse boom proporcionou pela semelhança parental dos estilos, alguns artistas de R&B despontaram também como, por exemplo, o Luccas Carlos, que é uma das referências do gênero. Ele despontou por estar mais próximo do rap, do movimento que a cena estava fazendo. Então o que penso hoje mais do que querer mais visibilidade para um artista ou outro é essa coisa que eu estou fazendo também, me disponibilizando mais para atuar no cenário do R&B já tendo uma caminhada no rap, por esta ser a sonoridade que eu sempre fiz e amei fazer só que o rap tem uma semelhança muito grande. Ele bebe do R&B. Aqui aconteceu o contrário dos EUA, o R&B e o soul dão origem ao rap, e aqui e o soul acha espaço no rap, nos refrões, e a partir daí vai se criando uma parada para se emancipar. E até para isso é a coisa que acontece, se isola e se esvazia. Então, eu penso que é isso, mais que querer que um artista tenha mais visibilidade para um artista ou outro, é essa parada de querer ver essa cena funcionando. As pessoas se interligando, contribuindo no trabalho do outro, se vendo, trocando genuinamente, sem o viés de competição que é isso que fez o rap acontecer e tem acontecido ultimamente, que é o que eu penso para o R&B.

Tem alguns artistas que admiro demais e gostaria de fazer parcerias como a Liniker, o próprio Luccas Carlos que a gente tem agora uma proximidade com algumas coisas que eu comecei a fazer, comecei a trabalhar junto com o Hodari, e me aproximei mais dele, a gente já tinha trocado algumas ideias, e já tínhamos tentado fazer algumas coisas junto. É um cara que eu quero muito trabalhar porque sou muito fã, admiro demais, sou muito grato a contribuição que ele tem para essa cena de R&B, o Luccas. Liniker, Majur, talento muito lindo, o próprio Chris, de Minas, muito bom, tem muito artista talentoso. Gloria Groove, isso é R&B puro!

Esse grupo de potências, a gente tá no mesmo lugar, se fortalecendo, e a gente só tem a ganhar com isso, do que apenas destacar um ou outro, sacou? Isso é uma forma legal de chegar com a sonoridade. Todos têm em comum a sonoridade, a alma, a música, o soul, o R&B!

Leia também uma entrevista exclusiva com Wesley Camilo sobre sua carreira autoral

RELACIONADAS